quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Relembrando a infância com os grandes mestres

Nos últimos anos voltei a ler quadrinhos da Disney por dois bons motivos: os lançamentos no Brasil das "Obras Completas de Carl Barks" e das histórias de Keno Don Rosa.




O Homem dos Patos
Conhecido como "O homem dos patos" Barks redigiu e desenhou histórias do Pato Donald e Tio Patinhas por mais de 20 anos. Considerado um gênio por crítica e público, o autor escrevia gags de uma página com a mesma desenvoltura das grandes aventuras de 28 páginas. É creditado a Barks a criação de personagens como Tio Patinhas, Professor Pardal, Maga Patalógica e Irmãos Metralha e a corporação "Escoteiros Mirim".


As Obras Completas de Carl Barks
Através das mais de 4 mil páginas, reunidas nas 41 edições de "Obras Completas", milhões de jovens tiveram o primeiro contato com lendas clássicas (a cidade de Atlântida, o holandês voador), contos mitológicos (o velo de ouro, a pedra filosofal, as minas do rei Salomão) e fatos históricos reais (a corrida do ouro em Klondike, a expansão do império de Gengis Khan, a queda dos Maias). Por suas contribuições, Barks foi indicado para o "The Will Eisner Awards Hall of Fame" em 1987.

O Homem dos Patos não era apenas um grande contador de histórias. Ele estava a frente de seu tempo em vários campos de discussões como a preservação do meio ambiente e a alienação causada pela grande mídia.

Outro ponto nevrálgico tocado pelas histórias de Barks era a pobreza nos Estados Unidos. O tema era tabu nos anos 50, um período de aparente prosperidade, em especial para a classe média dominante. Na história "O trenzinho da alegria", vários personagens de Patópolis unem-se para proporcionar um Natal mais alegre para as crianças da Vila Barraco.




A influencia cultural da obra de Barks pode ser averiguada em "As Minas do Rei Toleimon". Da história publicada em junho 1959 na revista "Uncle Scrooge 26", Steven Spielberg tirou duas cenas para os filmes de Indiana Jones: A pedra que rola atrás do Dr. Jones em "Caçadores da Arca Perdida" e a cena de perseguição final de "O Templo da Perdição" (vide abaixo).


Clique para ampliar

O Mestres dos Patos


O "homem dos patos" deixou muitos discípulos, mas coube a Keno Don Rosa o título de herdeiro legitimo de Barks e a acunha de "mestre dos patos". O autor conquistou público e crítica por sua arte detalhada, e por seus roteiros com tempero único.

Boa parte das histórias de Don Rosa dá continuidade as aventuras escritas por Barks, amarrando pontas soltas deixadas pelo mestre. Entretanto, o maior atrativo é a forma como o autor dá profundidade aos personagens e suas relações.

Embora Donald continue a ser o pato com todos aqueles defeitos ao qual nos acostumamos (e adoramos), nas histórias de Don Rosa, ele é apresentado de uma forma mais madura, como um adulto com responsabilidades. E essa responsabilidade é direcionada especialmente à criação dos seus três sobrinhos. Um exemplo da atenção dada a Huguinho, Zezinho e Luizinho pode ser verificada na história "De olho nos detalhes".



Escondido na piada está o nível de observação desenvolvido por Donald, que consegue enxergar os trigêmeos idênticos como indivíduos singulares. É o mesmo nível de diferenciação adquirido por atenciosos pais de gêmeos, preocupados em respeitar a singularidade de seus filhos.

Além da maturidade, Don Rosa concede ao Donald uma língua ferina que destila sarcasmo e ironia sobre as atitudes do seu tio Patinhas, a quem considera exageradamente excêntrico e extremamente ganancioso.



Clique para ampliar
Don Rosa tem um incrível talento para a síntese. Ele é capaz de dizer em poucos quadrinhos o que outros escritores levariam várias edições. Essa qualidade é especialmente útil para redimensionar os personagens de uma forma sutil. Um exemplo é o diálogo entre Panchito, Zé Carioca e Donald na história "O retorno dos três cavaleiros". Os personagens discutem sobre seus projetos futuros financiados pelo tesouro que recém haviam descoberto. Donald foge do cliché e dá uma resposta surpreendente:


Clique para ampliar

O pato ganha a admiração sincera dos seus amigos e os leitores ganham uma visão inédita do personagem da Disney. Passei a admirar mais a figura do Donald após a leitura dessa história e acredito que muitos outros leitores também. 


Emoção juvenil

Os personagens que mais amadureceram pelas mãos de Barks foram Huguinho, Zezinho e Luizinho. De pequenos arruaceiros transformaram-se em exemplares cidadãos ao integrar as fileiras dos Escoteiros Mirins. Entretanto, os patinhos nunca expressaram verdadeiramente seus sentimentos nas histórias do "Homem dos Patos". Coube a Don Rosa desenvolver esse ponto. 



Pela pena de Don Rosa temos o único lamento proferido pelos trigêmeos sobre a morte de seus pais em mais de 70 anos de quadrinhos Disney. 




A biografia

O maior destaque da carreira do autor é a biografia oficial do Tio Patinhas, laureado com o Will Eisner Awards, o Oscar dos quadrinhos norte-americanos. Composta por doze capítulos oficiais e seis episódios adicionais a história narra as derrotas e conquistas do pato mais rico do mundo.  





Com grande competência, Don Rosa lidou com temas complicados como a morte dos país do Tio Patinhas, apresentadas de forma folclórica e poética. A página a seguir foi extraída de "O Bilionário da Colina Sinistra", nono capitulo da biografia do Tio Patinhas e ambientada em Glasgow, Escócia, no ano de 1902. Donilda O'Pata, mãe de Patinhas já havia falecido há cinco anos (fato narrado em "O Rei de Klondike", oitavo capítulo da biografia).

Neste capítulo, Patinhas que havia retornado para casa após conquistar fortuna na corrida do ouro em Klondike, decide se aventurar novamente pela América, já que não consegue se readaptar aos velhos costumes de sua terra natal.

A última página do capítulo mostra a partida do pato milionário e suas irmãs, Hortência (futura mãe do Pato Donald) e Matilda rumo aos Estados Unidos. Os irmãos despedem-se dos espectros dos seus país que acenam de uma das janelas do Castelo pertencente a família. 

Em seguida, Fergus e Donilda realizam "a passagem" guiadas pelo espírito de Sir Quackius, o ancestral que guarda o castelo. Percebam que no último quadrinho, o corpo do pai do Tio Patinhas repousa discretamente sob o lençol, iluminado pela luz do Sol que entra pela janela.

Para a ilustração, Don Rosa usou como inspiração a cena final do filme "O Fantasma Apaixonado" (1947) de Joseph L. Mankiewicz. No filme, uma jovem viúva se muda para a casa de um marinheiro já falecido e se apaixona pelo espectro do ex-morador.



Para ver a imagem maior, clique AQUI

O velho novo Patinhas

Nas histórias de Don Rosa, o Tio Patinhas ganha novos contornos deixando de ser apenas um muquirana ganancioso. Na visão do autor, o pato mais rico do mundo é um homem com sede de aventura, conhecimento e diversão. 

A caixa forte não é apenas um grande depósito de dinheiro. Patinhas é capaz de rememorar todas as suas aventuras através de cada uma das moedas armazenadas nos 40 metros cúbicos de seu cofre gigante. 




O grande tesouro do pato mais rico do mundo são todas as lembranças de sua jornada em busca de riqueza, como explica Dora Cintilante (o grande amor na vida do Tio Patinhas).




A moeda "Número Um" também ganha um novo significado, deixando de ser um amuleto para se transformar na pedra fundamental da filosofia de vida do quaquilhonário: todo dinheiro deve ser ganho com inteligência, esforço e, principalmente, de forma honesta.



O tesouro favorito

Entre as histórias de Don Rosa, a minha favorita é "Uma carta de casa", publicada originalmente na revista Anders And & Co (Dinamarca) em 2004. Retornando ao cenário do Castelo do Clã MacDuck apresentado em "O Segredo do Castelo" (Barks, 1948), Patinhas e seus sobrinhos buscam um antigo tesouro templário escondido na propriedade.

Além da fundamentação histórica, quebra-cabeças, citações as histórias de Barks e piadas típicas das aventuras dos Patos, o enredo explora o relacionamento mal resolvido entre o Tio Patinhas, sua irmã Matilda e seus falecidos país. O fim da ruptura familiar, que durou 25 anos, acontece na página abaixo. Um dos diálogos mais tocantes e sensíveis já escritos para uma obra da Disney.


Para ver a imagem maior, clique AQUI

O Tio Patinhas termina se reconciliando com o seu passado ao ler a última escrita por Fergus McDuck, seu pai. 

Para ver a imagem maior, clique AQUI

Ao final de cada leitura, fica aquela sensação boa de que aquelas histórias da infância não ficaram presas a um tempo passado. Os personagens cresceram, amadureceram e se desenvolveram junto com seus fãs. 

Qualquer dia faço um post sobre a primeira história que li de Don Rosa e que se tornou instantaneamente uma das minhas favoritas. Mas vamos deixar para uma próxima vez.

see you!

Nenhum comentário:

Postar um comentário